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    Paixão não mata. Controle, poder e propriedade, sim

     

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    A relação histórica e material do patriarcalismo sofrida pela mulher não é um advento da sociedade vigente e em muitos casos sua origem remota a tempos tribais. Entretanto, este fenômeno atroz é intensificado com o aprofundamento do capitalismo. Neste atual modo de produção da vida na sociedade, as mulheres e as crianças são o germe da propriedade privada.

    Por Karina Fernandes* e Ferenc Diniz Kiss**

    A divisão social do trabalho também é a divisão sexual do trabalho. Assim, há atividades masculinas e atividades femininas que se aprofundam com a relação de opressão sofrida pelas mulheres, principalmente as pretas e pobres.

    “Quando um país é ocupado militarmente por tropas de outra nação, os soldados servem-se sexualmente de mulheres do povo que combatem. […] Desta sorte, não foi o capitalismo, sistema de dominação-exploração muitíssimo mais jovem que os outros dois, que ‘inventou’ o patriarcado e o racismo. Para não recuar demasiadamente na história, estes já existiam na Grécia e na Roma antigas, sociedades nas quais se fundiram com o sistema escravocrata. Da mesma maneira, também se fundiram com o sistema feudal. Com a emergência do capitalismo, houve a simbiose, a fusão, entre os três sistemas de dominação-exploração. Na realidade concreta, eles são inseparáveis, pois se transformaram, através deste processo simbiótico, em um único sistema de dominação-exploração, aqui denominado patriarcado-racismo-capitalismo.” (SAFFIOTI, 2000)
    Na sua esmagadora proporção, a relação da divisão do trabalho é naturalizada nas relações sociais, estabelecida nas famílias onde as mulheres são reduzidas ao cativeiro, dominadas pelos homens. Sua função em casa? Reproduzir a família. Sua função social? Ser explorada no trabalho. Essas duas relações de propriedade – seja da família, seja no trabalho – se estabelecessem dialeticamente a partir de uma cultura patriarcal na qual há um nítido interesse para que isso se perpetue e se intensifique cada vez mais. E nós, mulheres pobres das camadas populares, quando nos esforçamos para estudar, se ergue a tríplice jornada.

    A situação é gritante. A consciência patriarcal esta enraizada na sociedade, ramificada em todas as suas entranhas e se expressando nas mais diversificadas formas. A mulher é oprimida em todas as esferas, em todas as classes, em todos os continentes e em todos os países. Mas, é na classe trabalhadora que há uma soma de opressões. Além da opressão pelo homem, evidencia-se a opressão do patrão, de classe, de cor, de opção sexual, do estado, da religião e da sociedade em geral.

    A consequência de uma cultura machista/patriarcal, intensificada pelo capitalismo e sua reprodução nos âmbitos políticos, culturais e econômicos, tem como resultado a violência sobre a mulher.

    Em toda a América Latina os números da violência contra a mulher são alarmantes. No ano passado morreram na região ao menos 7 mil mulheres em decorrência da violência de gênero. Estes dados não incluem o México, que não apresenta números disponíveis nem tão atualizados. Em um estudo preliminar, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que entre 2009 e 2011, o Brasil registrou cerca de 17 mil feminicídios (morte de mulheres por conflito de gênero), que corresponde em média a uma morte a cada duas horas. De acordo com os dados da Cepal, 45% das mulheres da região dizem ter recebido ameaças por parte de seus companheiros, sejam noivos ou maridos. Segundo dados do Programa ONU-Mulheres, a Bolívia é o país latino-americano onde mais mulheres (52%) afirmam ter sofrido violência ou sexual ou física por um companheiro íntimo, seguida por Colômbia (39%), Perú (39%) e Equador (31%). Estes dados revelam quão enraizado está o machismo em nosso meio.

    Este levantamento de dados expõe apenas os casos de feminicidio. Os outros tipos de agressão, – psicológica, verbal, emocional, física, sexual – considerados “não declarados”, são ainda mais numerosos e não seguem o devido acompanhamento requerido. A Lei Maria da Penha é um avanço nos princípios de defesa da mulher, porém, é mais um dos claros exemplos de que a Lei segue os valores predominantes da sociedade, servindo a quem interessa. Os princípios da Lei são consistentes, mas sua execução é ineficaz.

    Apesar da lei estar vigente a mais de sete anos, sua aplicação tem sido substancialmente comprometida por descaso dos governos e despreparo dos agentes públicos que, muitas vezes, refletem os valores machistas predominante em nossa sociedade, reforçando a opressão contra a mulher inclusive nos espaços de referência que deveriam deveriam combater essa violência.

    Na maioria das cidades as “casas-abrigos” para mulheres em risco estão em péssimo estado de conservação; não se aplica nenhuma punição aos criminosos, que voltam a perseguir as mulheres; as agressões são deturpadas pelo agentes públicos, sugerindo que a culpa do ocorrido foi motivada por alguma ação da mulher; as medidas de proteção não são aplicadas com o devido rigor, trazendo insegurança às vítimas; a orientação sexual é tratada como um problema; a mulher é tratada como um sexo frágil, entre outros fatores.

    Oprimir a mulher significa oprimir metade da população mundial e dentro da perspectiva das forças produtivas, esta opressão é vista como redução de custo. Portanto, mão de obra oprimida é traduzida como mão de obra barata. Ontologicamente salientamos que o mundo não é assim, ele foi construído socialmente, possui historicidade para estar desta forma que não é perenes e podem vir a mudar. Ou seja, o mundo não é assim, o mundo está assim.

    A mulher não é fraca, não é frágil, não é delicada, não é pura, não é burra, não é meiga, não é magra, não é um objeto sexual, não é bela, não é perfeita, não é divina, não é mãe, não é do homem, não veio do homem, não é minha, não é sua, não é dele, não é vulnerável, não é padronizada, não é tudo igual, não pode ser desrespeitada, não pode ser violentada, não pode ser assassinada. A luta da mulher é de todos, diariamente, que buscam a emancipação plenamente humana!

    Nenhuma tradição, nenhum costume, nenhuma religião justifica que uma mulher seja: assassinada, apedrejada, violentada por ser mulher. Nada justifica que sejamos: mutiladas, sacrificadas, prostituídas, humilhadas, subjugadas, privadas dos nossos direitos elementares.

    Fonte: Vermelho